“A palavra do Senhor criou os céus, e o sopro de seus lábios, as estrelas. Ele falou e toda a terra foi criada, ele ordenou e as coisas todas existiram.” Sl 32,2
"Disse
Deus (...) e assim se fez", a partir dessas expressões bíblicas a reflexão
teológica desenvolveu todo um estudo para entender e nos dar a conhecer, pelo
menos em parte, sobre como atua e se manifesta a Palavra divina, expressa em
hebraico pelo termo “dabar” (palavra,
fala, discurso, coisa, mandamento, ação, evento, história, relato), que
justamente conjuga ação e palavra, alternando entre aquilo que é realizado e o
relato daquilo que é feito. No contexto profético a Palavra do Senhor “dabar YHWH” ou em grego “lógos kyríou”, significa mais do que palavra falada, assemelhando-se a
um acontecimento, ou seja, palavra em ação.
Daí que se considera a Palavra do Senhor como Palavra dinâmica e criadora,
Palavra que é mandato e instrução eficaz. Palavra operativa que se atualiza na
alma e na história humana realizando por obra do Espírito Santo todas as
coisas.
Com os estudos da filosofia da linguagem a partir da
Idade Moderna chegou-se à compreensão de que a simples palavra humana vai além da
mera locução, ou seja, não somente diz algo, mas também expressa quem disse e
interpela quem escuta. Assim, quando prestamos atenção às funções da Palavra
humana compreendemos melhor e com mais profundidade o alcance da ação da Palavra
divina em nossas vidas. De fato, esse é um dos caminhos para se dar a conhecer
a Palavra de Deus com uma outra dinâmica de catequese. A Palavra divina,
expressa pelo termo “dabar”, tem a
dupla função de proclamar as obras de Deus e explicar o mistério destas mesmas
obras, muitas delas narradas na bíblia. Pois bem, ao considerar que a simples
palavra humana é capaz de causar um impacto no coração daquele que ouve não se
torna difícil elevar um pouco o pensamento e tentar dimensionar o quanto não
realiza em nós ao nos interpelar a cada celebração litúrgica, a cada Santa
Missa a Palavra divina. Ali, naquela ação real e eficaz onde somos constituídos
em verdadeiros Templos, em autênticos Lugares teológicos da Palavra do Senhor, somos
interpelados. Mais do que chamar a nossa atenção, a Palavra apela ao nosso coração,
nos convida, reclama espaço, pede passagem, nos exorta, cria vínculo conosco,
nos compromete, reclama uma resposta fruto de uma adesão livre da nossa parte,
ou seja, incentiva e ao mesmo tempo espera o nosso “sim”. Sem sombra de dúvida
é na liturgia que a Palavra de Deus se faz carne e habita entre nós, já no
ambão, no momento da proclamação das leituras e do Evangelho. Nesta hora, que é
parte de um todo celebrativo intimamente conectado aos demais “momentos”, sendo
assim uma só coisa, Deus atualiza a sua Palavra no nosso hoje e nos faz
participantes do seu mistério de Amor; nos diviniza, nos eleva pela graça a
participar da sua natureza, da sua intimidade, dos frutos dos seus mistérios e
ali opera pouco a pouco a cura da nossa liberdade ferida e sempre tão
necessitada de Amor.
Esta Palavra divina é o próprio Jesus, Verbo Eterno do
Pai, única Palavra pronunciada da boca de Deus, através da qual e na qual o
Senhor pronunciou o nosso nome pra sempre chamando-nos, a nós e a toda a
criação, à existência. Esta Palavra entrou na nossa história e se deixou
expressar tão humildemente pelos limites da nossa linguagem, pois quis falar a
nossa linguagem, para que fossemos testemunhas e transmissores destas mesmas
palavras. É ele mesmo que com as Suas próprias palavras, no Evangelho, nos
convida a estar com Ele retirados um pouco à parte, para então, servi-Lo.
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