quinta-feira, 21 de junho de 2012

VONTADE DE DEUS, MEU PARAÍSO



Se queres, eu quero!
Se chamas , eu vou! 
És a vida da minha vida
É em Ti que eu sou 
(Vontade de Deus – Comunidade Doce Mãe de Deus)



Lembro-me bem da primeira vez em que vi essa expressão, escrita no status de uma dessas redes sociais no perfil de um amigo. Chamou-me a atenção o caráter forte da frase, pois ela parecia me desafiar, instigar, a ponto de ter marcado toda a minha juventude com um forte questionamento interior: Onde está a vontade de Deus para minha vida? Como encontrá-la e, encontrando-a, saber que a estou cumprindo?

Por muito tempo acreditei que tal busca só poderia me render angústia e desagrado, pois não poucos de nós escutamos ao longo de toda a caminhada uma frase que mais nos inspira medo e reserva do que consolo e entrega: “A vontade de Deus não é igual à vontade dos homens!”. Soa quase como uma sentença irrevogável aos nossos ouvidos essa afirmação, e se não soubermos entendê-la com um pouco mais de profundidade, pode tirar de nós a fé num Deus providente e misericordioso que espera e deseja sempre o melhor para seus filhos, e pode nos contaminar com a visão de um Deus cruel e distante, que deseja tão somente esmigalhar a vontade humana sob a Sua, fazendo do homem, um fantoche de Seus fatais desígnios, aos quais não é possível senão a aderência e aceitação inconteste. Nada mais falso e divergente da fé cristã.

É importante que, antes de qualquer questionamento acerca dos desígnios e vontades do Senhor para nós, lancemos um olhar sobre a natureza humana e sua constante sede por algo a que não sabe dar nome, mas que foi muito bem expresso por Santo Agostinho em suas Confissões: “Fecisti nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te” – (Fizeste-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto até que repouse em Vós). Do mesmo modo, a teologia mística de Santa Teresa D’Ávila, doutora da Igreja, identifica no Livro dos Cânticos, no capítulo I, o anseio da alma seduzida por Deus, que deseja ardentemente o encontro com seu Amado: “Beija-me com os beijos de tua boca!”, diz a amada ao seu amado. Numa belíssima interpretação, Santa Teresa nos conduz ao entendimento de que os “beijos” do Amado não podem ser outra coisa senão o Espírito do Criador que sai de “Sua boca”, assim como aquele Ruah (sopro, hálito) foi soprado nas narinas do homem, conferindo-lhe a vida (Gen. 2, 7). Num fascinante paralelo a essa passagem, temos a passagem do Evangelho de São João, capítulo 20, versos 21 e 22, no qual o próprio Jesus age desse mesmo modo, caracterizando a criação de um “novo discipulado”, se assim podemos chamar, soprando sobre os apóstolos o Espírito Santo, dando nova vida a suas almas, que estavam abatidas e torporizadas pelos últimos acontecimentos. "És a vida da minha vida!" Quando Jesus sopra o Espírito sobre eles, está então conferindo uma plenitude, um ressourcement, uma vivificação daquilo que deveria ser o elã vital de seus corações. O Espírito Santo é a Vida que irrompe no coração dos apóstolos para fazer com que neles floresçam novamente o vigor e o brio apostólicos, a vida nova conquistada por Cristo, ressuscitada e plena.

Assim, por meio de todo esse primeiro nível de reflexão, percebemos duas coisas singulares: o coração humano, ainda que não saiba ou muitas vezes não aceite, é um coração que anseia por Deus em sua essência, que busca de modo inato a sua completude naquilo que é eterno, e, portanto, em Deus; e somente Deus, como Criador e Princípio e Fim de todas as coisas, tem em si a possibilidade de conferir ao homem uma verdadeira vida, na plena acepção da palavra. Não somente um passar de tempo recheado de atividades, mas uma vida recheada de sentido e significado, vida plenamente realizada em todas as suas potencialidades, tal qual é a busca natural do ser humano. Desse modo fica perfeitamente visível que o anseio do coração do homem está naturalmente orientado para Deus, que se permite encontrar pelo ser humano e é o único capaz de dar significado à existência humana. Tal afirmação a Santa Igreja reza no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, quando diz: “(…) Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus (…). Por Ele todas as coisas foram feitas, e por nós homens, e para nossa salvação, desceu dos céus (…)”.

Avançando em nossa compreensão do mistério da Vontade de Deus para nossa história, começamos então a perceber que nossa reflexão somente pode tomar consistência se entendermos que a vontade de Deus não é outra senão o pleno amadurecimento humano e espiritual do homem, e para isso Deus não cessa de atraí-lo para seus desígnios, não cessa de nos buscar, nos seduzir, como diz o livro do profeta Jeremias: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir” (Jer. 20, 7). Ele age porque sabe que a realização do homem está justamente em, encontrando-se em Deus, realizar o querer divino em sua vida, não como um fantoche que é manipulado e arrastado para algo de que não possa escapar, mas com autonomia de sua vontade e plena opção pelo querer de Deus em si. Conformar-se à vontade divina torna-se então um constante progredir na Graça de Deus e no amadurecimento humano, pois ambas as dimensões do homem, a espiritual e humana, embora possam ser caracterizadas distintamente, não estão dissociadas uma da outra. Amadurecer enquanto ser humano é amadurecer na Graça Divina, assim como crescer espiritualmente é também desenvolver a própria humanidade. Aqui cabe ressaltar um ponto importante que, talvez por vício ou falta de uma adequada formação a respeito, soa como uma verdade autenticamente cristã, quando não o é, na verdade, que é o fato de dizermos: “O meu humano não aceita isso!”. É preciso que entendamos que não há no homem a dicotomia humano/espiritual enquanto ser, mas as duas dimensões integram-se totalmente. Não temos duas naturezas habitando a mesma pessoa, como há em Cristo (a chamada União Hipostática), mas somente uma natureza, a humana, que traz em si também uma dimensão espiritual. O que de fato pode acontecer é estarmos mais ou menos abertos a sentimentos vindos da nossa espiritualidade, de nossa relação com Deus, mas sempre dentro da natureza humana, que tendo sido assumida por Cristo, foi elevada em dignidade.

A partir disso podemos então entender de modo mais profundo os versos da canção que iniciavam a nossa reflexão: “Se queres, eu quero; se chamas, eu vou. És a vida da minha vida, é em Ti que eu sou”. Não se pode, portanto, conceber o homem como um ser completo se ele estiver longe da vontade de Deus, do querer do seu Criador. Se pensarmos que o inventor de uma determinada máquina é o único que, primordialmente, sabe o porquê da existência daquela máquina e para qual tipo de atividade ela serve ou não, entendemos também, ao menos de mono análogo e não essencial, que isto se dá conosco.

A frase a qual já mencionamos aqui, de que o querer divino é completamente diferente do querer humano, pode ser entendida de um modo mais brando se pensarmos que Deus sabe o desejo mais profundo de nosso coração, sabe qual o caminho para que alcancemos nossa plena realização. E isto muitas vezes está mesmo oculto aos nossos olhos, que são o tempo todo atraídos para as margens do que é verdadeiramente essencial. Nossas vontades viciadas, nossos caprichos naturais, ainda que não percebamos, tendem na maioria das vezes a nos afastar da vontade de Deus e, consequentemente, de nós mesmos. Por isso negar a voz de Deus em nós nos causa uma angústia profunda, pois é como descolar nosso interior de nós mesmos. Quanto mais caminhamos para longe dessa vontade, tanto mais nos descolamos daquilo que somos e menos sentido têm todas as coisas em torno a nós. É como querer constantemente adormecer para viver a beleza dos sonhos que temos, mas que não preenchem substancialmente o nosso dia a dia.

Ouvi certa vez uma frase muito intensa, cujo autor não me vem à memória, na qual ele dizia que a alma humana, quando não busca a realização da vontade divina torna-se uma alma amputada, deslocada de seu centro. Retomando o verso da canção, entendemos que o trecho: “(…) É em Ti que eu sou” exprime de forma poética o que o autor da frase quis dizer. Somente em Deus é que o homem pode, de fato, SER. Ser o que é, realizar-se enquanto pessoa, desenvolver suas potencialidades.

Com o passar do tempo, percebemos que buscar a vontade de Deus é buscar nossa plena realização, e que Deus deseja para nós aquilo que está inscrito no mais íntimo de nosso coração e que nós mesmos, durante muito tempo, não tínhamos maturidade para enxergar. Deus, ao chamar o homem à participação de sua vida divina, chama-o à plena realização daquilo que ele é como filho de Deus, em Jesus Cristo. Este chamado não é para outra coisa, senão para realizar o homem nessa sua identidade filial, a qual herdamos pela Graça. Deus nos chama, nos provoca, nos VOCACIONA à mais alta estatura daquilo que podemos ser somente por Sua Graça. Negar-se, portanto, a viver este chamado, é negar-se a viver a plenitude da Graça de Deus que a nós é destinada de modo particular.

Podemos então ir chegando ao final de nossa reflexão dirigindo um novo olhar para o mistério da vontade de Deus que se cumpre no gênero humano, através de uma emblemática passagem do livro do Êxodo, no capítulo 3. A célebre passagem da sarça ardente prefigura para nós não somente a imagem do Deus que chama o homem a aderir aos seus desígnios, mas a este chamado corresponde uma responsabilidade nossa em responder com um SIM total e irreversível. Nesta passagem, não somente a figura do profeta Moisés é um sinal e referência importantíssimos para nós de como responder à vontade de Deus, mas acredito que nos passe despercebido outra prefiguração majestosa do que viria a se dar no Novo Testamento. Vemos a figura da sarça, que é usada por Deus para se manifestar a Moisés e revelar sua vontade. Uma sarça da qual tantas vezes já ouvimos falar, que não é mais do que um arbusto pobre, mas no qual arde uma chama que não a consome, mas a abrasa interiormente. Deus utiliza-se totalmente daquela sarça, toma-a por inteiro. Ela torna-se então lugar privilegiado em que Deus não somente age, mas em que Deus É por excelência o principio da vida. À sarça ardente do Sinai podemos associar de modo admirável a figura da Virgem Maria, que, tendo-se entregue de todo aos planos de Deus, tornou-se receptáculo do mistério de Deus por antonomásia. Em nenhum outro local, em nenhuma outra criatura a vontade do Criador foi tão plenamente cumprida quanto na vida da Santíssima Virgem. Ela, em total entrega ao Senhor, foi usada permanecendo incólume e incorrupta. E tal situação é para nós mais um singular exemplo do quão necessário é para nós esta total entrega, pois Deus é o único que nos usa e não nos corrompe, mas torna-nos plenamente aquilo que somos. Podemos entender também que o contrário é verdade, pois quanto mais nos guardamos de Deus, quanto mais nos reservamos e nos entregamos sem totalidade a Deus, tanto mais nos fragmentamos e nos distanciamos de nossa verdadeira identidade e nos escravizamos continuamente.

Tomemos como exemplo a vida de tantos que se entregaram a esta vontade perfeitíssima, e fizeram de suas vidas um autêntico sinal de que não há melhor lugar para se estar do que a vontade de Deus: São Francisco de Assis, Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, São Domingos Sávio, São Tarcísio, em nossos tempos a beata Chiara Luce Badano, Beato Pier Giorgio Frassati, São Padre Pio de Pietrelcina e tantos outros grandes santos dos quais apenas Deus conhece o nome. Tornemos verdade a força do Evangelho em nossa vida e permitamos que nossa história seja a concretização da frase que diz: “É na entrega da sua vida por amor que você experimentará a verdadeira liberdade.”


Que nosso grande Deus e Senhor Jesus Cristo nos abençoe e faça brilhar sobre nós o esplendor de Sua Face Gloriosa.

por Roberto Amorim (http://imortaljuventude.com.br)

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